Doença mata 500 mil por ano e custo do remédio supera os R$ 140 mil; países e ONGs atuam para quebrar monopólio de laboratório norte-americano, que tem margem de lucro 5.000%

Após pressão da sociedade civil sobre o governo português, as autoridades do país anunciaram que o tratamento a portadores de hepatite C será oferecido gratuitamente. Embora estime-se que 13 mil portugueses apresentem a doença degenerativa do fígado, o número real de infectados beira os 100 mil — o medicamente mais eficaz contra a hepatie C tem custo por paciente de até € 44 mil (cerca de R$ 144 mil).

Entre os 185 milhões de portadores da doença no mundo, apenas 2% conseguem tratamento, fazendo com que a quebra de patente do remédio tenha se tornado reivindicação de diversos países e organizações humanitárias. Todos os anos, 500 mil pessoas morrem em função de complicações de saúde relacionadas à doença.

Classificado como um dos melhores acordos do tipo na Europa, o contrato entre Portugal e a farmacêutica norte-americana Gilead custeará o uso de dois novos medicamentos. Um deles é o Sofosbuvir, cujo emprego tem criado polêmica em âmbito internacional: há um ano no mercado europeu, é o único remédio com taxas de eficácia superiores a 90% — mas com preço também muito alto. O governo português não quis divulgar os valores dos termos acordados, mas adiantou que o laboratório terá de oferecer tratamento até que o paciente seja curado.

A janela que Portugal abriu tem sido acompanhada internacionalmente. Melhor do que negociar um preço menos abusivo do remédio norte-americano, muitos defendem a quebra total da patente.

A Índia, por exemplo, conseguiu na Justiça autorização para produzir genéricos do Sofosbuvir, caso semelhante ao que ocorreu no Brasil em 2007 com o “Efavirenz”, para Aids. Ambas conquistas inspiraram a organização Médicos do Mundo a entrar neste mês com ação na Organização Europeia de Patentes para impugnar o Sofosbuvir. No comunicado, a ONG alega que “a molécula em si é resultado do trabalho de muitos pesquisadores públicos e privados, e não é suficientemente inovadora para merecer uma patente”.

A ação veio depois de uma petição feita pela França e assinada por 15 países europeus para pedir, ainda em 2014, o barateamento do produto, cuja margem de lucro chegava a 5.000%. O laboratório Gilead defendeu publicamente o acesso ao remédio “ao maior número de pacientes possível” e anunciou um programa humanitário para alguns países em desenvolvimento, a fim de firmar licenças para genéricos. Porém, os mesmos só poderiam ser comprados de laboratórios parceiros da Gilead, que recebe royalties sobre as vendas — trocando, na prática, um tipo de monopólio por outro.

“Não me deixe morrer”

“Até agora, só doentes à beira do transplante tinham direito a usar os remédios inovadores” no sistema público, relatou o psicólogo português António Manuel Parente, de 51 anos, porta-voz da Plataforma Hepatite C. Afetado por esta doença silenciosa ao longo de 17 anos, há dois, seus sintomas se agravaram. Hoje, tem cirrose e fadiga severa. Mesmo assim, não era considerado prioridade no atendimento. “Tinha de esperar que minha saúde se deteriorasse para ter acesso ao tratamento”, contou a Opera Mundi.

Foi justamente essa longa espera que levou à morte uma senhora da mesma idade no início do mês. Pouco depois, outro doente gritou no Parlamento ao ministro da Saúde: “Não me deixe morrer”. A pressão de pacientes e da opinião pública teve um rápido efeito e o Ministério da Saúde anunciou o acordo com Gilead após uma “difícil negociação”, nas palavras do ministro.

“Fiquei muito emocionado, minha médica me telefonou e disse: você já faz parte da lista”, comentou Parente, cuja “esperança renasceu” com a perspectiva de receber tratamento e poder ficar completamente curado. “Essa medicação cura, e vemos as pessoas morrerem pelo lucro das farmacêuticas”, desabafou.

Fonte: Ópera Mundi