Por mais acessibilidade Zé do Pedal cruza 20 estados empurrando uma cadeira de rodas.

José Geraldo de Souza Castro, 57 anos, é conhecido como o Zé do Pedal, por já ter viajado pelo mundo de bicicleta. Desta vez, o mineiro de Guaraciaba resolveu percorrer o Brasil, de Norte a Sul, empurrando uma cadeira de rodas. O objetivo do projeto “Extremas Fronteiras, Barreiras Extremas – Cruzada Pela Acessibilidade” é levar ao país o pedido por mais atenção às pessoas com deficiência. Conforme Zé, a ideia surgiu em 2008, durante uma viagem em um kart a pedal de Paris (França) a Johanesburgo (Africa do Sul).

No caminho francês da rota de peregrinação de Santiago de Compostela, Zé ouviu uma voz dizendo “no puedo” (não posso). Olhou e viu uma jovem de cadeira de rodas tentando subir uma rampa com um pequeno degrau. A situação o fez refletir sobre a privação da liberdade e a dependência da boa vontade alheia. “As barreiras naturais são obstáculos para todos. Porém, as arquitetônicas, instaladas em concretos nas calçadas, edificações e ruas de cidades, são obras do homem. Se o homem consegue interferir nas obras de Deus, por que não interferir nas fabricadas por ele mesmo?”, questiona.

Pelas cidades onde passou, Zé entregou às Câmaras de Vereadores uma proposta de projeto de lei sobre Normas de Acessibilidade e outra para criar Conselhos Municipais dos Direitos da Pessoa com Deficiência. A caminhada começou no dia 10 de fevereiro de 2015, no Monte Caburaí, em Roraima.

O trajeto

Zé do Pedal caminha até 12 horas por dia, percorrendo mais ou menos 52 km diariamente, enfrentando chuvas e temperaturas acima dos 40° C. O percurso total conta 10,7 mil quilômetros, passando por 20 estados: Roraima, Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Encerramento 21

Zé do Pedal encerrou sua caminhada no dia 21 de setembro. A data não poderia ser mais expressiva para o ativista: nesse dia é comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Onde deve ter  dado 15 milhões de passos em busca de um país acessível.

- Pará por aí, Zé?

- Não! Enquanto houver nesse país uma cidade sem o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, enquanto houver as barreiras arquitetônicas ou de atitude que não permitam ao deficiente usufruir seu sagrado direito de ir e vir, terei motivos, de sobra, pra continuar caminhando e sonhando.

Copas, guerras, furacões e fome

José Geraldo de Souza Castro, o Zé do Pedal, já pedalou 145.000 quilômetros ao redor do mundo.

Fotógrafo, técnico em turismo, ativista social, ambientalista e ciclista, o mineiro de Guaraciaba realiza há 30 anos inusitadas aventuras.

A história do Zé do Pedal começa em novembro de 1981, quando decidiu viajar do Brasil à Espanha, de bicicleta, para assistir a Copa do Mundo de 82.

Da decepção de ver aquela que foi apontada como uma das melhores seleções brasileiras cair em Barcelona, aos pés da Itália, adiando o sonho do tetracampeonato, Zé começou a alimentar um sonho.

A bordo do transatlântico que o levou de volta ao Rio de Janeiro, ele idealizou uma volta ao mundo em bicicleta. Pronto, a partir dai, não parou mais.

Daquele longínquo novembro até hoje, visitou 73 países em cinco continentes, percorreu 145.000 quilômetros a “base de pedaladas”, onde chegou a ganhar uma maratona, em Lima, Peru.

- Assisti a três copas do mundo de futebol, passei por quatro guerras civis, enfrentei chuvas monzonicas, terremotos e sobrevivi a cinco furacões – conta.

E se visitou ilhas paradisíacas, Zé também conheceu os sofrimentos de crianças e adultos em campos de refugiados da guerra do Vietnã.

- Uma guerra absurda, que ao final só deixou destruição e morte – lamenta.

Viveu a seca, a fome e a miséria dos povos da África e do povo nordestino. Viu sorrisos de crianças brincando as margens do “Velho Chico” e lágrimas nos olhos do barranqueiro ao ver o leito do rio quase seco.

O ativista esteve em lugares que marcaram a historia, como as Torres Gêmeas, Pirâmides do Egito, Partenon de Atenas, Torre Eiffel, Taj Mahal, a ponte sobre o Rio Kwai-Ai e Torre de Pisa.

- Foram grandes aulas de geografia e história mas principalmente, aulas de vida – diz.

SAIBA MAIS

As viagens, e os projetos sociais, do Zé do Pedal.

1. De bicicleta até a Copa do Mundo (1981/1982) – Saindo do Rio de Janeiro, ele atravessou a América do Sul, Central e do Norte, voou até a Inglaterra e foi pedalando pela Europa até a Espanha. Minutos antes da chegada dos jogadores para a Copa de 1982, chegou de bicicleta em frente à concentração da seleção brasileira. Este fato chamou a atenção de jornalistas do mundo inteiro, fazendo-o ganhar notoriedade no Brasil. Foi neste momento que ele recebeu o apelido de Zé do Pedal.

2. Volta ao mundo de bicicleta (1983/1986) – Logo que retornou da Espanha, decidiu dar a volta ao mundo de bicicleta. Nesta viagem, divulgou uma campanha de Combate ao Câncer nos 54 países pelos quais pedalou. O fim da aventura se deu no México, onde novamente assistiu a uma copa do mundo de futebol.

3. Japão em um velocípede (1985) – Durante a “Volta ao Mundo”, cruzou o País do Sol Nascente em um velocípede infantil, enquanto chamava a atenção da mídia para a condição das crianças na Etiópia.

4. De Chuí a Brasília em um velocípede (1987) – Após conhecer o mundo, Zé decidiu viajar pelo Brasil. Optou, novamente, pelo velocípede, ecruzou o Brasil para chamar a atenção dos parlamentares constituintes para as condições sub-humanas das crianças do nordeste.

5. América do Sul em uma motocicleta (1996) – Em uma motocicleta, percorreu 8 países da América do Sul: Equador, Peru, Chile, Argentina,Uruguai, Brasil, Paraguai e Bolívia. A viagem foi uma comemoração do seu vice-campeonato de motociclismo no Equador.

6. Pedalando no Velho Chico (2002) – Viajou por todo o Rio São Francisco, em um barco tipo pedalinho, de Três Marias (MG) até o Pontal do Peba (AL). Nesta viagem, procurou chamar a atenção do país para a poluição do Rio São Francisco.

7. Da Liberdade ao Cristo (2004/2005) – Saindo da estátua da liberdade, em Nova Iorque, Zé tinha o objetivo de chegar ao Rio de Janeiro, percorrendo a costa litorânea das Américas em um barco a pedal. Nesta aventura, buscava alertar a comunidade internacional para a poluição das águas do planeta. Entretanto, na cidade de Dzilam de Bravo, no México, 18 meses depois da partida, sua embarcação sofreu danos irreparáveis ao enfrentar o furacão Rita, impedindo o término da viagem. Dos 23 mil quilômetros programados, ele pedalou cerca de 10 mil.

8. Zé do Pedal 50 anos (2007) – Na comemoração de seus 50 anos, construiu uma embarcação a pedal feita com garrafas pet, um quadro de bicicleta encontrado em um lixão e algumas barras de aço. Com ela, realizou uma inusitada travessia da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, para chamar a atenção para a poluição das águas e a importância do Protocolo de Kyoto.

9. Extreme World (2008/2010) – Em um kart a pedal, viajou da França até a África do Sul. Nesta aventura, de cerca de 17 mil quilômetros,divulgou uma campanha internacional de combate ao Glaucoma e à Catarata em países pobres.

10. Projeto atual: “Extremas Fronteiras, Barreiras Extremas” – Cruzada pela Acessibilidade – É uma caminhada, de 10.700km, dando 150milhões de passos, empurrando uma cadeira de rodas, saindo de Uiramutã, (RR) fronteira norte com a Venezuela, até Chui (RS). Visitando 327 cidades de 20 estados, visando conscientizar o povo brasileiro sobre um dos principais problemas que afetam às pessoas com deficiência: as barreiras arquitetônicas.

Porque Caburai ao Chui?

Com 1.456 metros de altitude, localizado a 325 quilômetros de Boa Vista, o Monte Caburaí é o ponto mais extremo ao norte de nosso país. Localizado no município de Uiramutã, dentro do Parque Nacional do Monte Roraima faz fronteira com a República Cooperativista da Guiana.

Em 1930, o Marechal Cândido Rondon organizou uma expedição ao Monte Caburaí e chegou a afirmar que se tratava do extremo norte do Brasil, mas mesmo assim, aquelas terras permaneceram por muito tempo esquecidas e o brasileiro aprendeu, erradamente, que o Brasil ia do Oiapoque ao Chuí.

Na verdade o ponto mais extremo do país não é o cume do Monte Caburaí, mas sim a nascente do rio Uailã, junto às encostas do Caburaí.

Fontes: Correio Riograndense e Diário de Viamão