Os processos de juízes contra jornalistas da Gazeta do Povo foram suspendidos pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (30). Os magistrados paranaenses moveram dezenas de ações contra os profissionais após o jornal publicar uma reportagem sobre os supersalários dos juízes paranaenses.

Rosa Weber havia negado o pedido dos jornalistas no primeiro momento, mas reconsiderou a decisão e concedeu a medida que suspende o trâmite das ações de “indenização propostas em decorrência de matéria jornalística e coluna opinativa apontadas pelos reclamantes, até o julgamento de mérito desta reclamação”.

“Ante o exposto, no exercício de juízo de retratação, reconsidero a decisão agravada para admitir o processamento da reclamação e, em juízo de delibação, notadamente precário, ao exame do pedido liminar, presentes o periculum in mora e a plausibilidade jurídica – fumus boni juris – da tese, forte no art. 989, II, do CPC/2015 e no art. 158 do RISTF, concedo a medida acauteladora para o fim suspender os efeitos da decisão reclamada, bem como o trâmite das ações de indenizações propostas em decorrência da matéria jornalística e coluna opinativa apontadas pelos reclamantes, até o julgamento do mérito desta reclamação”, determina Weber.

A reportagem, publicada em fevereiro, compilou dados públicos para mostrar que, somados benefícios, a remuneração total de magistrados e promotores chegou a ultrapassar em até 20% do teto do funcionalismo público, de R$ 30.471. Os magistrados pedem indenização por danos morais e reclamam de terem sido “ridicularizados”. As ações têm obrigado os cinco jornalistas que assinaram a reportagem a viajarem por dias seguidos às audiências. Os pedidos somam R$ 1,3 milhão em indenizações.

O caso polêmico também foi comentado pela ministra Cármen Lúcia na semana passada em um evento em São Paulo. Segundo ela, a ação coordenada dos juízes contra os jornalistas deram um novo sentido à expressão “censura judicial”. A ministra ainda afirmou que antes o termo se aplicava a liminares concedidas por juízes para impedir a publicação de determinadas notícias, agora, com o novo caso, os juízes passam a ser o polo ativo dos processos.

“Esse grupo de juízes decidiu apresentar mais de 30 ações individuais, todas idênticas, no Juizado Especial, pedindo o teto de pequenas causas (40 salários mínimos). No Juizado Especial, nós somos obrigados a comparecer pessoalmente a todas as audiências de conciliação – mesmo que todos saibam de antemão que não haverá acordo. Ou seja: nos últimos dois meses, nós viajamos o Paraná inteiro para participar de audiências sem qualquer propósito, sem contar as tardes que tivemos que passar nos juizados aqui de Curitiba e da RMC. Sem poder trabalhar, sem poder tocar nossas vidas”, desabafou nesta terça-feira (7) o jornalista Francisco de Souza em seu perfil no Facebook.

Ação coordenada

Como há ações em todo o estado, os profissionais já percorreram mais de seis mil quilômetros nos últimos dois meses, atendendo a 18 intimações.

A ação foi coordenada pela Associação dos Magistrados Paranaenses (Amapar) e pela Associação Paranaense do Ministério Público (APMP), conforme mostra áudio do presidente da Amapar, Frederico Mendes Junior, a um grupo de juízes.

O magistrado orienta os colegas a entrar, “na medida do possível”, com ações individuais, usando modelo de petição criado para esse fim.

Em uma das audiências o juiz de Paranaguá Walter Ligeiri Junior afirmou que “a Amapar não tem absolutamente nada com isso” e que o movimento partiu de um grupo de juízes. Ligeiri Junior alertou os profissionais da Gazeta de que “depois dessa, muitas outras seguirão. São 700 juízes preparando ação”.

“Depois dessa decisão do Supremo vocês vão viajar muito o Paraná”. Ouça:

Transcrição:

  • 01:46 “Walter Ligeiri Junior”
  • 03:32 “E depois dessa, muitas outras seguirão. São 700 juízes preparando ação”
  • 03:36 “Depois dessa decisão do Supremo vocês vão viajar muito o Paraná”
  • 03:40 “Vão conhecer todas as comarcas, todos os juízes”
  • 09:25 “Tudo aqui é padrão. A inicial é padrão, a contestação é padrão”
  • 09:40 “A Amapar não tem absolutamente nada com isso, infelizmente. Certo? A Amapar está fora disso”
  • 09:54 “Alguns juízes nos mobilizamos, montamos um grupo, e estamos chamando outros. E estamos falando com mais 200 para as próximas ações”.

A associação também reforça que as reportagens são baseadas em transparência pública. “Parecem desconhecer, ainda, as regras de transparência estabelecidas por seus próprios órgãos de controle. Segundo o Art. 6º, inciso VII, item d) daResolução 215/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a remuneração de juízes deve ser divulgada, por ser informação de interesse público. O mesmo se aplica aos vencimentos dos promotores, de acordo com o Art. 7º, inciso VII da Resolução 89/2012 do Conselho Nacional do Ministério Público”.

Para a Abraji, os processos na Justiça não buscam a reparação de eventuais danos provocados pelas reportagens, mas intimidar o trabalho da imprensa e, por isso, são um atentado à democracia.

“A Abraji espera que as ações sejam julgadas improcedentes e a retaliação à Gazeta do Povo e a seus profissionais não continue. É inaceitável que magistrados e promotores coloquem o corporativismo acima de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e o acesso a informações de interesse público”.

Para o editor-chefe da Gazeta do Povo, Leonardo Mendes Junior, juízes do Paraná julgarem ações movidas por outros magistrados do mesmo Estado compromete a imparcialidade do julgamento.

Outro lado

Procurada, a Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) negou que haja uma ação coordenada para coagir o jornal. A assessoria da Amapar encaminhou ao Paraná Portal respostas a perguntas feitas pelo jornal Folha de S. Paulo.

“Não há falar-se em controle ou patrulhamento ideológico da figura do Juiz. O magistrado é dotado de capacidade intelectiva e de senso ético e de justiça destacado. Passa por criterioso concurso de ingresso, com, no mínimo, 05 (cinco fases). A propósito, diuturnamente está a resolver conflitos variados inseridos na sociedade. Aplica o direito ao caso concreto visando à pacificação social. De certo, haveria suicídio associativo na pretensão de tentar influir agentes políticos a ajuizar ações contra determinado jornal”, diz em nota.

Para a Amapar, as reportagens fizeram  mau “uso do direito à liberdade de imprensa”. “Sob o ponto de vista eminentemente associativista e de defesa do associado, entendemos que as reportagens da gazeta do povo extrapolaram o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento”. Leia as respostas na íntegra.

Fonte: Paraná Portal e Consultor Jurídico